Dr. Melo, o Pai da Cooperativa de Produção de Leite

Dia 19 de novembro de 1928, os 82 primeiros associados assinaram o livro de registro para a fundação da pioneira cooperativa do Alto São Francisco. A “Sociedade Cooperativista de Responsabilidade Ltda/Banco de Abaeté” foi também a primeira instituição bancária desta microrregião, até se transformar, em 1º de novembro de 1965, em uma cooperativa de produção de leite.

Uma das pessoas que mais acompanharam e ajudaram a escrever esta história foi o advogado José de Campos Melo, falecido em agosto de 2011, aos 94 anos de idade. Genro do Dr. Edgardo da Cunha Pereira, o fundador do “Banco de Abaeté”, Dr. Melo foi presidente da nossa primeira cooperativa por 25 anos e o responsável pela criação dos setores de consumo e de leite.

Ele assumiu o cargo em 1946, quando substituiu seu cunhado, Dr. Edgardo da Cunha Pereira Filho, eleito prefeito municipal de Abaeté em 1947. Em seus mandatos, Dr. Melo foi responsável pela construção da sede administrativa e do galpão, onde funciona o supermercado, além de adquirir o terreno e construir a plataforma de recebimento de leite.

Confira, a seguir, trechos de uma entrevista concedida por ele ao jornal CooperAbaeté e publicada na edição nº 05, de fevereiro de 1999:

Dr. Melo, como surgiu a ideia de fundar a Cooperativa de Leite em Abaeté?

Eu era presidente da Cooperativa Banco de Abaeté Ltda desde 1946 e assessor jurídico da Itambé, que representava 40 cooperativas de leite. Participando de congressos de cooperativismo e conversando com pecuaristas, tivemos a idéia de fundar a Cooperativa de Leite na cidade. Sabíamos que as dificuldades para concretizar esse projeto seriam enormes, pois não tínhamos praticamente nenhuma estrada, nem energia elétrica para resfriar o leite. Mas decidimos arriscar para ajudar o pequeno produtor da época, que não tinha alternativa senão entregar a manteiga à “Soares Nogueira” e ao “Raul Alves de Araújo”, que pagavam um preço insignificante pelo produto. Quando a Cooperativa foi fundada, eu pedi sua filiação à Itambé, mas o Conselho de Administração negou, por causa do excesso de leite que havia na época. Nos anos 60, o produtor precisava vender 22 litros e meio de leite para comprar o caldo de uma garrafa de cerveja. Depois de uns quatro ou cinco meses de muita insistência, fomos aceitos pela Itambé e só então começamos a receber o leite dos produtores. Isso foi dia 1º de novembro de 1965.

Como era a produção de leite em Abaeté na época?

Acho que não havia uma única vaca holandesa na cidade. Só tínhamos vaca de dois, três litros. Quando dava cinco, era excepcional. Nos anos 60, tínhamos um excesso violento de leite no período das águas, em relação à seca. Se na seca recebíamos cinco mil litros de leite, nas águas a produção era de 15 a 20 mil. Nós inauguramos a sede própria da usina com cerca de 10 mil litros de leite. Com a crise do leite em pó, caiu para três mil e poucos litros.

Como foi enfrentar a crise do excesso de leite logo no início da Cooperativa?

Com a crise fantástica do leite em pó, nós tivemos alguns fatos interessantes. O Conselho da Itambé resolveu pagar o leite com uma defasagem de cinco dias entre um mês e outro. No mês de janeiro, pagava dia 1º. No mês de fevereiro, pagava dia 5. Em março, dia 10. De maneira que, no decorrer de seis meses, desaparecia o leite de um mês. E a Itambé deixava de pagar dois meses por ano. Mas a crise continuou acentuada, e resolveram não pagar um mês. O Conselho reuniu os presidentes das Cooperativas e aconselhou a cada um descontar 10% ao mês. A Cooperativa de Abaeté foi a única que resolveu fazer o desconto todo de uma vez só. Mas, nos meses seguintes, tivemos a vantagem de termos 10% a mais que os outros. Quer dizer, eles nos xingaram pelo nome da mãe só uma vez.

A crise do início da Cooperativa pode ser comparada à crise atual da pecuária leiteira?

Ela foi mais violenta, o preço pago ao produtor era menor e as dificuldades eram enormes. Naquela época, eu era considerado o grande ladrão de Abaeté. Como o povo geralmente joga as crises na responsabilidade do presidente, muita gente achava que eu estava ficando com o dinheiro do leite. Mas, na realidade, a maioria dos cooperados aguentou e deu apoio.

Como era a qualidade do leite naquela época?

Tivemos muita sorte, porque o setor de laticínios foi entregue ao Mourão. E o Mourão, com aquele jeito fechado, de pouca prosa e muito trabalho, foi de uma eficiência fora do comum para a Cooperativa. Ele levava o leite de uma forma muito higiênica, dentro das possibilidades. No início das atividades, a Cooperativa de Abaeté ocupava a 33ª posição em qualidade de leite, dentre as 40 filiadas da Itambé. Quando deixei a Cooperativa, em 1971, tive a satisfação de vê-la colocada em 1º lugar em qualidade de leite.

Que lembranças o senhor tem de quando era presidente da Cooperativa Banco de Abaeté?

Naquela época, os empréstimos eram de responsabilidade do diretor gerente Francisco Alves de Andrade, o Chico do Estêvão, que tinha uma responsabilidade rara no mundo. Trabalhamos juntos de 46 a 65, praticamente 20 anos e, nesse tempo, o Chico não perdeu um tostão de empréstimo para ninguém. Ele não ligava muito para cadastro. O cadastro estava na cabeça dele, e ele nunca emprestou dinheiro para quem não pagasse.

Quando o senhor saiu de Abaeté, continuou a militar no cooperativismo. Como foi isso?

Em 1969, fui convidado pelo então presidente da Organização das Cooperativas de Minas Gerais (OCEMG), Dr. Paulo de Souza Lima, para representar o Estado no Conselho Nacional de Cooperativismo. Depois, fui escolhido para representar a região sudeste no mesmo Conselho. Durante dois anos, ia a Brasília uma vez por mês para as reuniões na sede da Organização das Cooperativas do Brasil, a OCB.

Em 71, o presidente da OCB, Antônio José Rodrigues Filho, me convidou para compor a chapa como diretor, nas próximas eleições. Fui diretor da OCB por 19 anos e meio, até me aposentar, em dezembro de 91, aos 75 anos de idade.

Autor:
Renato Alves, Analista de TI na Cooperabaeté, desenvolvedor e mantenedor do site da cooperativa.

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